O que acontece quando a IA edita seu press release na redação?

A presença da inteligência artificial (IA) no jornalismo e na comunicação corporativa não é mais uma previsão futurista. É uma realidade que já atravessa o dia a dia de assessores, redações e empresas. As ferramentas generativas, cada vez mais sofisticadas e acessíveis, vêm transformando processos editoriais e, ao mesmo tempo, criando desafios inéditos para quem trabalha com produção e distribuição de conteúdo. Entre esses desafios, um dos mais urgentes é o impacto da IA no uso dos press releases enviados para a imprensa.

IA

Elíria Buso

11/17/20253 min ler

A presença da inteligência artificial (IA) no jornalismo e na comunicação corporativa não é mais uma previsão futurista. É uma realidade que já atravessa o dia a dia de assessores, redações e empresas. As ferramentas generativas, cada vez mais sofisticadas e acessíveis, vêm transformando processos editoriais e, ao mesmo tempo, criando desafios inéditos para quem trabalha com produção e distribuição de conteúdo. Entre esses desafios, um dos mais urgentes é o impacto da IA no uso dos press releases enviados para a imprensa.

Se até pouco tempo o maior problema era a publicação de releases na íntegra, prática que sempre gerou debates sobre qualidade jornalística, hoje surge uma preocupação inesperada: o cliente está desaparecendo da própria pauta.

Isso porque muitos veículos estão utilizando IA para “reformular” ou “personalizar” releases, buscando diferenciação em meio à avalanche de conteúdos enviados diariamente às redações. No entanto, durante esse processo, trechos essenciais, citações importantes e, principalmente, menções ao cliente acabam simplesmente sumindo.

Quando a IA vira editora e apaga o cliente do texto

No setor de turismo, esse fenômeno tem sido ainda mais perceptível. Muitas pautas produzidas pelas assessorias contam com uma estrutura estratégica: primeiro apresenta-se o destino, o contexto ou o panorama do setor; depois, insere-se o cliente como serviço, referência ou case. O objetivo é manter o conteúdo editorialmente relevante sem perder o gancho comercial.

O problema é que as ferramentas de IA tendem a “eliminar” justamente essa parte, por interpretá-la como repetitiva, promocional ou “secundária” para o que consideram ser o foco do texto. O resultado: uma reportagem que utiliza o conteúdo enviado, mas sem citar quem motivou a pauta.

Não é má intenção do jornalista, e muitas vezes nem é decisão direta da redação. É simplesmente o comportamento das ferramentas generativas, que reescrevem e “limam” detalhes para tornar o texto mais conciso ou supostamente mais alinhado ao SEO.

Mas isso é IA… ou tática de SEO?

Esse dilema abre outra discussão importante. Os leitores mais atentos já notaram características típicas de textos gerados por IA: frases muito curtas, títulos com palavras aleatoriamente em maiúscula, uso repetitivo de conectores e um certo “ar genérico” que entrega a origem da escrita (o típico — do GPT). Mas há um ponto curioso: parte desse estilo também se confunde com técnicas de SEO.

Afinal, frases mais curtas melhoram a legibilidade, títulos chamativos aumentam a taxa de cliques e parágrafos curtos funcionam bem no mobile.

Essa fronteira turva deixa assessores e jornalistas ainda mais confusos e reforça a necessidade de olhar crítico e curatorial sobre o que é publicado.

IA já domina redações e os números comprovam

O impacto da IA nas redações é profundo. O projeto JournalismAI, que entrevistou jornalistas de 105 redações em 46 países, revelou que:

  • 90% dos profissionais já usaram IA em alguma etapa da produção jornalística;

  • 75% recorreram à tecnologia durante a apuração.

No Brasil, a pesquisa A inteligência artificial para jornalistas brasileiros (ESPM + Jornalistas&Cia) reforça a tendência:

  • 56% usam IA no trabalho;

  • 53,9% na redação de conteúdos;

  • 27,2% na apuração;

  • 20,1% na distribuição.

E há um dado que mostra o impacto emocional dessa transformação: 68,3% dos jornalistas temem que a popularização da IA cause demissões nas redações.

O tema é tão urgente que já rendeu discussões importantes na imprensa nacional, como mostra o artigo da revista Piauí: “Parem as máquinas: a IA tem uma reportagem urgente”.

Existe solução? Ainda não. Mas existem caminhos

Não estamos aqui para recriminar o uso de IA. Pelo contrário, ela é inevitável, útil e fará parte, cada vez mais, das rotinas de comunicação. O que precisamos é preservar a essência do trabalho jornalístico e da relação entre redações e assessorias. Isso deve garantir que o uso da tecnologia não apague informações essenciais nem prejudique fontes, peça central do trabalho de PR e de redação.

Talvez o caminho esteja no bom senso. Jornalistas e editores precisam observar com atenção o que pode ou não ser cortado em um release. Assessores talvez precisem repensar formatos, reforçar argumentos ou criar mecanismos de validação. E o mercado, como um todo, precisa conversar mais sobre o tema.

Se a IA veio para ficar, o diálogo também precisa se manter constante.